Fazenda da Toca
Em meio à mata não virgem, mas refeita, existem ruínas, como o caso das ruínas do conhecido como “Pirata Borges”, o qual fazia o translado de negros que desembarcavam em Castelhanos e percorriam as áreas da fazenda até alcançar a praça para venda de escravos na Vila. Mito ou não, fato é que as ruínas de um alicerce de uma antiga e grande construção, possivelmente um ponto de parada para a espera dos escravos, encontram-se em uma trilha de nível médio quase na conhecida Cachoeira do Borges, notadamente uma das mais belas da Fazenda. Outro relato aponta a construção como um remanescente da fazenda de café do senhor Borges.
Apesar de, ao longo de sua trajetória, Ilhabela ter tido mais de trinta engenhos espalhados em seu território, o Engenho da Toca é o último ainda em funcionamento no arquipélago. Sua localização central e distante da praia proporcionou o desenvolvimento de uma tipologia diversa da dos demais engenhos. Portanto, ao propor o estudo do edifício, parte-se também da análise da cultura do açúcar, a qual causou sérios danos à ilha, com a devastação da Mata Atlântica e o surgimento de morros pelados e áridos. Assim, pretende-se apresentar a fazenda como um modelo sintetizador da história da ilha, ao estabelecer conexões com esta: o momento tráfico negreiro (ruínas do Borges), o período do cultivo extensivo de cana de açúcar (engenho), o abandono da ilha e o ressurgimento da Mata Atlântica (Parque Estadual da Serra do Mar).
4.1. Pesquisa documental
O levantamento foi feito no Cartório de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Sebastião, uma vez que os registros de Ilhabela são feitos nesse local. A partir do registro do ato de compra de Joseph Albert Van Sebroeck em 1963, foi possível levantar os registros referentes tanto às porções de terra que conformam a área da Fazenda da Toca, bem como dos imóveis presentes na mesma. O registro 615 de 05 de agosto de 1937 é o primeiro em que é citado o engenho, sendo proprietários Benedito Belém de Souza e Antonia Belém de Souza:
(...) uma casa tambem coberta de telhas, onde funciona a fabrica de aguardente e machina de fazer farinha de mandioca; uma casa pequena, no mesmo lugar, que servia para depósito; metade de uma casa, também coberta de telhas no lugar Coqueiro do mesmo bairro do Peayek, uma sorte de terras (...); uma sorte de terras, (...); uma fabrica de aguardente de canna, movida a força hidráulica, inclusive, todos seus pertences e acessórios (...)
O registro 8219 de 03 de maio de 1963 é o registro de compra de Joseph e o engenho é citado como:
(...), uma casa de moradia modesta, de tijolos, coberta de telhas, onde está instalada uma fábrica de aguardente com derivação de água para força motriz, roda d’água, moenda de cana, alambique, depósito de fermentação, tonel para a conservação de aguardante e demais pertences, (...), assim como marcas indispensáveis à fabricação de aguardente”.
Portanto, da leitura dos registros encontrados acerca da Fazenda, fica claro que a constituição de sua área aconteceu pelos atos de compra de sítios lindeiros pelo sr. Raphael Penteado de Barros. Por fim, Joseph Albert Van Sebroeck compra a fazenda conformada e com o nome de Fazenda da Toca. Ali estavam instalados: um engenho de aguardente e uma casa de farinha de mandioca, em meio à plantação de cana-de-açúcar e banana. O quadro da propriedade se enquadra no relato abaixo:[1]
A capacidade de produção dessas fábricas, tôdas mal aparelhadas, é de 450 a 500.000 litros, anualmente. Em 1950 não fabricaram mais do que 246.000 litros de aguardente, que foram exportados para Santos e cidades do interior paulista. Alguns reúnem também uma pequena indústria de farinha de mandioca, aproveitando a fôrça motriz e a mão de obra nos períodos entre-safras.
De qualquer forma, ao comprar a fazenda com essa infra-estrutura, a família passa a dar continuidade à fabricação de aguardente e venda da banana como fonte de renda. O ponto turístico criado em 1967, abriu três quedas d’água para a visitação, dentre as quais se destaca uma gruta com uma piscina natural que dá nome ao local: a Toca. Na verdade, com o tombamento de quase a totalidade da área da fazenda, com a perda de áreas de cultivo, o ponto turístico foi a solução para obtenção de receita.
[1] França, A Ilha de São Sebastião: estudo de geografia humana, (1954): 125.